Porque aqui escrevo se ninguém me lê?
Porque eu me leio, e isso me constrói. A escrita pra mim anda ao lado da
fotografia, a diferença é que fiz da fotografia minha profissão, e da escrita
minha missão. Talvez uma complemente a outra e me torne o que sou.
A dias estou trancada dentro de mim, um isolamento cheio de sentidos e gritos. Não
ignoro a fala, a convivência, o contato. Mas evito-os. Preciso desse retiro
espiritual interior, desse aprofundamento com a leitura, sobre o que é e o que
sou. Estaria de acordo a começar a escrever um livro. Me sinto estimulada o
suficiente pra isso, porém tenho preguiça de enganchar as palavras, então vou
escrevendo em textos soltos que no fim se unem.
Não quero transformar esse ato em sacrifício, porque agora ele é minha
cura.
Tenho pouco mais de 90 dias nessa aventura
que me permiti. Uma aventura estranha, confusa o suficiente pra me deixar
ciente do que me torno com ela. As vezes me vejo narrando o eu, e é o que farei
agora... Natalí que se sente gorda, mas a gordura vem das palavras que ela não
põe pra fora. O peso do seu corpo é derivado da tensão de, paradoxalmente, não
poder jogar-se ao mundo lá fora. E tudo que ela passa a viver estar dentro si. Pronto,
a narrativa para por aqui, volto a primeira pessoa, ao eu que te escrevo agora.
Ao ler-me em textos antigos, observo que há
uma necessidade de ter o motivo. O motivo é o Ele, e esse Ele que falo pode ser
você que me lê. Envolvo toda história vivida em uma bolsinha de sílabas e
começo a espremer forte, o que sai é palavra de verdade. E te garanto que não
penso muito sobre elas, simplesmente fluem, saem como expulsão.
A alguns meses crio fatos na memória pra
driblar a solidão. Parece apavorante, e é. É porque eu me permiti a isso. Sinto
uma enorme vontade de aprofundar-me na música, deixar de ser só canto e ser som
de objeto também. Mas algo me diz, algo de dentro, que meu canto é suficiente
já que minha procura é pelo som acompanhante. Já que minha procura é mais que por um simples par, quero música segurando a minha mão, pra acompanhar minha canção
quando eu sentar. Pra depois ir a uma varanda e agradecer a lua por ter um par.
É que eu gosto de cantar baixinho pra alguém, gosto de fingir que sei cantar. Subir
em um palco imaginário e mostrar-me a uma plateia que é de uma pessoa só. Essa
plateia que também é minha banda, me acompanha.
Devo estar em transe, na verdade nunca vou
saber ao certo o que é transe. Mas posso definir o agora: Barulho lá fora que
parece um empurrão pra minha memória, silêncio aqui dentro que se transforma em
carinho pro meu lamento, palavras eufóricas que brotam, minha visão cheia de
teclas dançantes e um par de mãos que deslizam rapidamente sobre o teclado. Chega
uma hora que a gente não consegue dominar o que escreve. Depois de muito tempo
calada, quando sento pra escrever parece que encontro uma melhor amiga de
infância, e os assuntos surgem assim sem tanto sentindo. Porque o mais
importante é tirá-los um pouco de dentro. E acho que é por isso que escrevo:
Para dar um recreio aos meus pensamentos, para que eles fiquem livres pra o mundo, e
pra que possam encontrar alguém que os admirem fora de mim.